Diário de uma surfista: Claudinha Gonçalves
17/05/2021
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Arte por @carol.fazarte
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_quando começou a sua relação com o surf?
A minha relação com o surfe eu diria que é uma herança de família. Meu pai sempre surfou e nos proporcionou esse estilo de vida desde que nascemos. Ele sempre levava meu irmão e eu pra praia desde muito cedo. Aos 4 anos de idade eu já pegava onda na beirinha com meu bodyboard rosa de tartaruga (aquele clássico) bem antigo.
_você pode contar um pouco sobre a sua rotina antes de ser mãe?
Antes de ser mãe eu era surfista profissional e sempre tive uma rotina de treinos muito regrada. Treinava parte física todos os dias exceto sábado e domingo. Surfe eram todos os dias em qualquer condição de mar. Sempre encarei como treino, como trabalho. Sempre estava no mar. A minha rotina de viagens pra competir começou muito cedo, aos 13 anos iniciei nos campeonatos regionais, aos 14 os nacionais e com 15 anos me profissionalizei. Aos 20 iniciei no circuito mundial. Por aí foram quase 20 anos de carreira como competidora.
Quase não parava em casa. Passava meses e meses viajando. Chegava em casa praticamente pra trocar de mala e viajar novamente. Foi assim até pouco tempo.
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Surfista: Claudinha Gonçalves | Foto: @orlandoorodrigues
_o que você lembra de pensar ou reagir quando descobriu que estava grávida?
O meu maior sonho sempre foi construir uma família e de uns tempos pra cá eu e meu companheiro ja estávamos pensando na possibilidade de ter filho. Mas não imaginávamos que seria tão rápido.
Me lembro de ter sentido a maior alegria do mundo e ao mesmo tempo muito medo. Eu queria tanto ser mãe e me sentia preparada, acho que foi no momento certo da minha vida eu fiquei tão feliz que isso me fez também sentir medo de acontecer alguma coisa.
_até quantos meses da gravidez você surfou?
Eu surfei até os 8 meses. Depois segui nadando no mar, em meio as ondas, correntezas, amava estar no mar. Mesmo sem a prancha, o mar sempre foi a minha casa e eu sentia uma energia absurda no mar. Sentia que estava apresentando o meu lar pra minha filha no meu ventre. O mar me relaxava, me trazia equilíbrio e também trazia alívio fisico, pois eu boiava e me sentia leve. No finalzinho era muito mais confortável nadar do que caminhar, por exemplo.
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Surfista: Claudinha Gonçalvez | Foto: @anacatarinaphoto e @pato.vacc
_e depois do parto, como foi voltar a surfar?
Eu voltei a surfar depois de 3 meses. A primeira remada, os primeiros drops foram muito estranhos. Eu por um momento pensei; ferrou, não sei fazer mais isso.
O centro de gravidade muda muito durante a gravidez e como eu surfei até os 8 meses a minha memória física mais recente de surfe era com uma barriga enorme, fazendo varias compensações pra conseguir surfar. Então foi estranho pegar as primeiras ondas sem a barriga. Em uma semana eu já me sentia eu mesma no mar. Claro que com a condição física mais debilitada, mas o surfe voltou rápido pro pé. Eu surfava 1 horinha e meu peito começava a pulsar, era hora da Clara mamar. Eu levava ela pra praia com minha mãe e meu marido. Eu dava mama, fazia ela dormir e partia pro surfe correndo. A gente tinha um código de sinalização. Se ela acordasse e começasse a chorar pra mamar, eles balançavam a toalha... mas nenhum sinal era maior do que o do meu corpo. Eu sabia exatamente a hora que eu precisava sair porque meu peito ficava cheio de leite.
Assim eu voltei a surfar e sigo assim até hoje. Claro que agora com uma independência maior, pois a Clara já esta com 1 ano e 3 meses, come tudo e o leite materno é apenas um complemento e um aconchego pra ela.
_como você se sente às vezes sendo a única mulher no mar? Quando estava grávida como você sentia essa questão?
Eu tive incontáveis situações de ser a única mulher na água. Quando mais jovem não me atentava tanto aos olhares, seja de desdém ou de tipo: "Olha uma gatinha na água". Eu sempre entrei na água pra fazer o meu trabalho, então acho que naturalmente eu já tinha uma postura mais "profissional" no mar. Sempre gostei de me posicionar no pico, claro que respeitando os locais, a fila e etc, mas sempre me coloquei no mar dessa forma. Seja grande ou pequeno eu sempre me posicionei no melhor lugar pra pegar a melhor onda. Já tive situações de vir na onda da série e ser rabiada e depois escutar: "Achei que você não fosse". Muitas vezes no pico escutei: "Nem adianta ficar remando aqui que eu não vou liberar onda pra você". Mas tabém tive muitos momentos de incentivo. Principalmente após pegar uma primeira onda e os "caras" verem que você realmente surfa. Acho que existe muito machismo no surfe e isso está enraizado, mas muitas vezes também sinto que as mulheres não são unidas, não se apoiam tanto, na maioria das vezes competem e se comparam. Eu amo ver mulher no mar e gosto muito de incentivar porque sempre senti muita competitividade no nosso meio durante toda minha carreira. E eu muitas vezes me sentia mais intimidada pelas mulheres, quando eu viajava pro circuito mundial, do que pelos homens.
Já na minha gravidez eu senti alguns olhares intrigados, mas senti muito mais olhares de carinho, de entusiasmo e de apoio. Principalmente de outras mulheres, um apoio que eu nunca havia sentido antes, algo maternal mesmo que até então eu desconhecia. Nas sessões de surfe eu me senti muito acolhida sempre, tenho só momentos maravilhosos para recordar com a Clarinha na minha barriga pegando altas ondas. Foi um momento muito mágico na minha vida. Um grande privilégio ter passado a minha gestação praticamente inteira fazendo o que eu mais amo que é surfar.
Eu tive muito apoio das pessoas, da familia e logicamente dos meus médicos que me acompanharam e me auxiliaram durante todo o processo de gestação.
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Surfista: Claudinha Gonçalves | Foto: @pato.vacc
_queremos saber: 3 coisas que você não pensa ou não te contam antes de ser mãe ahahahah- Não pensava que eu conseguiria passar noites inteiras sem dormir. Até hoje não durmo.
- Não pensava que eu poderia sentir um amor tão grande que nem consigo mensurar.
- Não imaginava que ser mãe fosse tãooo desafiador. Devo muitos pedidos de desculpas a minha mãe (ahahahah) hoje eu sei o que é estar nesse papel.
_qual foi a mudança mais intrínseca ou o maior aprendizado que você sentiu depois de ser mãe?
O instinto maternal. O meu olhar sobre o mundo mudou. O meu olhar sobre o outro mudou. Hoje eu me sinto mais vulnerável e isso me traz mais empatia e compreensão com o outro, com o mundo de forma geral. Acho que ser mãe me tornou uma maria-mole em relação aos meus sentimentos e me tornou uma leoa em relação a proteção da minha cria e da minha família.
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_o que você diria para quem quer começar a surfar?
Pra mim não existe sensação melhor do que surfar. Estar no mar é um presente divino, uma conexão que expande, vai além do físico é uma experiência espiritual.
Pra quem quer começar a surfar eu diria pra levar em consideração toda a filosofia que envolve o surfe, que vai além de conseguir ou não ficar de pé na prancha. Vai além de "mandar bem". Então, eu diria pra você também se permitir ir além.
A melhor surfista é a que mais se diverte.
Beijos e boas ondas,
Claudinha
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